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Tipografia Inclusiva: uma discussão sobre acessibilidade tipográfica

  • Foto do escritor: Jean Rosa
    Jean Rosa
  • 2 de jul. de 2024
  • 7 min de leitura

Atualizado: 31 de jul. de 2024

Por Jean Rosa

A acessibilidade é essencial no design tipográfico, especialmente para indivíduos com dificuldades de leitura, como dislexia. Problemas de distinção entre caracteres, como confundir 'i' e 'l' em nomes como "lure" e “Iago”, são comuns. A responsabilidade do designer como profissional deve garantir a acessibilidade e a inclusão para todos os públicos, atendendo diferentes necessidades e ambientes, com o intuito principal de facilitar a percepção e a compreensão. Nesse contexto, a tipografia desempenha um papel fundamental, pois além de moldar a linguagem escrita, torna o texto mais legível e compreensível, contribuindo para o acesso eficaz à informação.


Assim, considerando a Lei nº 13.146 de 6 de julho de 2015, que tem como objetivo assegurar que os direitos fundamentais do cidadão sejam garantidos, superando barreiras urbanísticas, arquitetônicas, nos transportes, na comunicação e informação, as atitudinais e as tecnológicas (Brasil, 2015) a autonomia é essencial para que todos os indivíduos possam exercer plenamente sua cidadania, e é crucial garantir que as pessoas com deficiência tenham seus direitos assegurados para realizar atividades em condições de igualdade.


Este artigo explora os fatores que tornam uma tipografia inclusiva, baseando-se nos estudos da professora Sofie Beier (doutora pela Royal College of Art de Londres) e Mary Clare Dyson (doutora em psicologia, foi professora no Departamento de Tipografia e Comunicação Gráfica na University of Reading na Inglaterra), nos trabalhos de Mary Vonni Meürer (professora da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC), Maíra Woloszyn (Doutora em Design pela UFSC) e Dominique Auler (2020) e nas pesquisas adicionais de Sofie Beier, incluindo menções às teorias de Adrian Frutiger (designer gráfico suíço).


Fator 01 - Estilos Tipográficos e Legibilidade


Os estilos tipográficos variam amplamente e podem ser classificados de forma geral em duas categorias: serifados (serif) e sem serifa (sans serif). As fontes serifadas possuem pequenas extensões nos traços das letras, dando um aspecto clássico e tradicional. Em contraste, as fontes sem serifa apresentam uma aparência mais limpa e moderna, sem as extensões nos traços das letras.




Fator 02 - Simplificação de Formas e Desafios de Acessibilidade


A introdução de fontes grotescas, caracterizadas pela ausência de contrastes e serifas, trouxe uma estética moderna, mas também desafios de acessibilidade. A simplificação das formas pode parecer mais moderna, mas não necessariamente melhora a legibilidade. Exemplos populares de tipografias grotescas:  Helvetica, Univers e Franklin Gothic. 




Fator 03 - Problemas de Confusão de Caracteres


A confusão entre caracteres semelhantes, como 'i' e 'l', ou 'j' e 'i', é um problema significativo. A apuração mostrou que a confusão 'i' > 'l' foi maior em estilos com serifa, enquanto a confusão reversa 'l' > 'i' foi mais comum em estilos sem serifa​​. Segundo Sofie Beier, esses problemas de confusão são ainda mais comuns em condições de baixa visibilidade ou leitura rápida, onde a ausência de serifas contribui para uma maior taxa de erros de leitura​​.




Fator 04 - Considerações para o Desenho de Tipografias Inclusivas


Para identificar tipografias mais inclusivas, especialmente para leitores com dislexia, algumas recomendações incluem:


  1. Uso Estratégico de Serifas: Serifas devem ser aplicadas nas extremidades verticais de letras como 'l', 'b' e 'h', mas evitadas na letra 'i'​​.

  2. Distinção Clara entre Caracteres: A forma das letras deve minimizar a possibilidade de confusão. Por exemplo, aumentar a diferença visual entre 'i' e 'l' pode reduzir erros de leitura.

  3. Testes de Legibilidade: Realizar testes empíricos com diferentes grupos de usuários para identificar quais características de design melhoram a leitura.

  4. Fontes Variáveis: O projeto final de fontes variáveis permite ajustes em diversos eixos, como peso, largura, tamanho das contra-formas, tamanho óptico e inclinação, o que pode melhorar a legibilidade e a distinção de caracteres​​. Meürer, Woloszyn e Auler destacam que essas fontes podem ser particularmente eficazes para adaptar o texto às necessidades individuais dos leitores, aumentando a inclusão tipográfica​​.


Serifas vs. Sem Serifas


Adrian Frutiger argumentava que hastes sem serifas fazem o olho continuar a descer e se perder, enquanto as serifas "seguram" o olhar, facilitando a leitura. Frutiger era um tipógrafo e designer de tipos renomado, conhecido por fontes como Univers e Frutiger. Ele frequentemente discutia a importância da forma e da função das letras no design tipográfico.


As teorias tipográficas (pode ser atribuída principalmente a Adrian Frutiger, mas é amplamente discutida e analisada na literatura sobre tipografia e design gráfico.), sugerem que as serifas guiam o olhar ao longo das linhas de texto, facilitando a leitura contínua em textos longos. Porém, a preferência entre fontes com ou sem serifa depende do contexto de uso, meio de leitura e preferências pessoais.


A pesquisa de Beier e Dyson (2014) investigou a influência das serifas na legibilidade. Descobriram que letras com serifas nas extremidades verticais, como 'l', 'b' e 'h', são mais legíveis à distância do que as sem serifa. Porém, para a letra 'i', a presença de serifas em ambas as extremidades diminui a legibilidade, indicando que serifas não são sempre benéficas.


Terminações Abertas e Contra-Formas Amplas


Terminações muito fechadas podem fazer com que letras como 'C', 'O', 'E' e 'A' sejam confundidas, especialmente por pessoas com leve dificuldade de visão. Terminações abertas tornam essas letras mais distintas, aumentando a área interna (contra-forma) e destacando a forma única de cada letra.




Tipografias Enganosas


A letra “A” de um andar, que tem origem na construção caligráfica, é muito facilmente confundida com a letra “O”. Ela é menos legível que a versão de dois andares. Letras como 'I', 'L' e o número '1' também podem ser muito similares entre si. No caso do 'I' e 'L', fontes com altura de ascendentes acima da altura das maiúsculas são mais legíveis do que tipografias que utilizam a mesma altura. Isso pode ser resolvido com uma distinção na letra 'I' ou com uma pequena terminação na base do 'L', identificando que é de fato um 'L' minúsculo.




Familiaridade


Beier argumenta que leitores leem mais rápido e com maior precisão quando usam tipos de letra familiares. A familiaridade facilita o reconhecimento de letras e palavras, diminuindo o esforço cognitivo. Beier também analisa como a consistência nas formas das letras e a repetição de características estilísticas ajudam a construir essa familiaridade.




Evite Formas Espelhadas


Formas espelhadas, como 'b', 'd', 'q' e 'p', podem ser confundidas pelos leitores, especialmente aqueles que estão aprendendo a ler ou que têm dificuldades de leitura, como a dislexia. Essas letras são visualmente semelhantes, diferenciadas principalmente pela orientação espacial, o que pode levar a erros de leitura. Beier sugere ajustes no design das letras para torná-las mais distintivas, reduzindo a possibilidade de confusão e facilitando a diferenciação.



Espacejamento


Sofie Beier discute a importância do espaçamento entre letras (kerning), palavras e linhas (leading) para a legibilidade e a leitura eficiente. Ela destaca o fenômeno do crowding, que afeta a região parafoveal e periférica, dificultando o reconhecimento de letras individuais quando estão muito próximas. Esse efeito é notável em textos pequenos ou com espaçamento apertado, podendo levar a confusões, como entre 'L' e 'O' com 'B'. Um espaçamento adequado é essencial para evitar esses problemas e melhorar a legibilidade.




Altura-de-x


Tipografias com altura de x (x-height) maior tendem a ser mais legíveis, especialmente em tamanhos pequenos e em condições de leitura difíceis, pois aumentam a área das letras minúsculas, facilitando o reconhecimento de letras como 'c' e 'e' ou 'n' e 'h'. No entanto, uma altura de x muito grande pode comprometer a harmonia visual do texto e o design tipográfico. Portanto, é crucial equilibrar uma maior altura de x com outros aspectos do design para manter a estética e a funcionalidade.




Evite Pesos Extremos


Evite pesos extremos, tanto muito finos quanto muito grossos, pois ambos impactam negativamente a legibilidade. Pesos muito finos dificultam a distinção das letras,  especialmente em condições de pouca luz ou em tamanhos pequenos, devido à baixa espessura dos traços. Já fontes muito grossas podem causar fechamento dos espaços internos das letras, como 'o', 'e' e 'a', dificultando sua identificação.



Exemplos Práticos: A Palavra "Jiló" e o nome “Iago”


Na Língua Portuguesa, é comum ocorrer confusão e troca de letras devido ao fato de as consoantes J e G representarem o mesmo fonema quando formam sílabas com as vogais “i” e “e”: ji/gi e je/ge. A letra J é normalmente utilizada em palavras de origem árabe, africana e tupi: jiboia, jiló, canjica, berinjela, jenipapo, jequitibá, e também em palavras terminadas em -jo: anjinho, beijinho, azulejinho, queijinho. Estas palavras podem servir como exemplo para avaliar a acessibilidade tipográfica. A distinção clara entre o 'j' e o 'i' é fundamental para a legibilidade de pessoas com dislexia. No design tipográfico, é essencial considerar as necessidades específicas de cada cultura e língua para evitar problemas de distinção entre caracteres, como confundir 'i' e 'l' em nomes. Por exemplo, em inglês, palavras que começam com “iu” ou “ia” são raras, mas em português, especialmente no Brasil, nomes como “Ian”, “Iolanda” "Iure" e "Iago" são comuns, o que torna crucial a clareza tipográfica para esses contextos, ou podem ser confundidas com LAN, LOLANDA, LURE e LAGO, já que a distinção entre letras maiusculas e minúsculas é mínima.



Em inglês encontros com “il” ou “li” também ocorrem em palavras como “Illustrate”, “Illegal” ou nomes como “Illinois”.


A pesquisa de Beier e Dyson (2014) e os estudos de Meürer, Woloszyn e Auler (2020) suportam a ideia de que ajustes específicos nas serifas e na forma das letras podem melhorar significativamente a leitura, especialmente em línguas com encontros consonantais frequentes como o português​​. 



Conclusão


Para selecionar tipografias mais inclusivas, especialmente para leitores com dislexia, algumas recomendações incluem escolher aquelas que foram criadas seguindo parâmetros de acessibilidade listados neste artigo. Recomenda-se escolher tipografias que tenham o uso estratégico de serifas, clara distinção entre caracteres, realização de testes de legibilidade e possivelmente a adição de recursos de fontes variáveis (como o eixo variável). Ao encontrar e utilizar fontes com essas diretrizes, é possível promover uma leitura mais acessível e eficiente, fomentando a inclusão.


Referências bibliográficas e materiais consultados

BEIER, S., & DYSON, M. The influence of serifs on 'i' and 'l' in identifying words. Information Design Journal, 2014.

BEIER, S. Reading Letters: Designing for Legibility. BIS Publishers, 2012.

FRUTIGER, A. Typefaces: The Complete Works. John Wiley & Sons, 2008.

MEÜER, J., Woloszyn, V., & AULER, D. Contribuições das fontes variáveis para tipografia inclusiva: uma discussão sobre os eixos de variação. Blutcher, 2020.


Outras citações:

Fabio Haag, Fábio Boehl e Nova Escola.


Sobre o autor

Jean é formado em design gráfico pela Universidade de Taubaté (UNITAU), atua profissionalmente na área desde 2019 e carrega uma bagagem de conhecimento desde 2009. Seu foco primordial é a idealização, estruturação e desenvolvimento de identidades visuais estratégicas. A principal essência de seu trabalho atualmente envolve a habilidade de encontrar conceitos e desdobrá-los em ativos de expressão (grafismos, ilustrações, ícones...). Seu conhecimento em design é cultivado por meio de exploração contínua. Ele demonstra proficiência em todos os assuntos com os quais se envolve, abordando-os de maneira técnica e embasada em princípios de pesquisas exploratórias. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2791018105679471


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